Saturday 5 January 2019

A MINHA EXPERIÊNCIA EM CABO VERDE COM AS TARTARUGAS!

Após uma longa e necessária pausa, estou finalmente de volta ❤ 
Como vos tinha dito aqui, decidi partir numa aventura para Cabo Verde como voluntária da Fundação Tartaruga, e é sobre esta grande experiência que vos falo hoje!

Inicialmente, tinha planeado uma viagem de 2 semanas. Um país desconhecido, pessoas desconhecidas, condições básicas, esforço físico: achava eu que essas 2 semanas me iam ser mais que suficientes. Acontece que não foi bem assim. Ao fim de uma semana, estava eu a adiar o voo de regresso para prolongar a minha estadia!
Esta viagem representa a descoberta. Descoberta de uma  nova cultura, descoberta de um modo de vida completamente diferente mas, sobretudo, descoberta a nível pessoal. Regressei com um sentimento de renovação. Aprendi a valorizar mais as pequenas coisas da vida. Coisas essas como um banho, comida na mesa, um teto, uma família, um ambiente seguro. e um chocolatinho ahah Ao longo do post, espero conseguir transmitir-vos um pouco deste sentimento tão bom.

As Acomodações
É preciso ter noção que as condições são realmente muito básicas. Existem 2 tendas grandes para dormir, uma feminina e outra masculina, sendo que cada um pode levar a sua própria tenda (foi o que fiz e o que voltaria a fazer). A pouca eletricidade que existe no acampamento provém de painéis solares e tem como fim abastecer a arca frigorífica e o carregamento dos telemóveis. Mais nada. 
Existe um pequeno espaço para tomar banho mas, não havendo água corrente, entrava em ação o balde (e tão bem que me sabia!). O intuito foi sempre o de poupar o máximo de recursos possível!


Pode parecer muito pouco mas, de facto, não foi preciso mais. E a verdade é que nunca me senti tão livre. Foi assim que me apercebi do quanto o telemóvel, a televisão e o computador me prendem e impedem de contactar verdadeiramente com as pessoas e, tão ou mais importante, comigo própria. Acho importante referir que eu nunca tinha acampado ahah (shame on me, eu sei) Portanto se eu, uma novata nesta vida, fui capaz de superar tudo isto e gostar, então penso que todos conseguimos, basta querer. A pré-disposição é essencial em experiências como esta, só assim será possível usufruir em pleno de tudo o que elas nos têm para oferecer.


O trabalho com as tartarugas
Numa palavra: mágico. As tartarugas são seres incríveis - durante o ano vivem a sua vida no oceano e, na altura da desova, regressam todos os anos à mesma praia onde nasceram, para colocarem os seus ovos! É aqui que entram inúmeros perigos, uns óbvios, como os caçadores, mas também outros menos óbvios, como os hotéis e os turistas. Assim, trabalhávamos dia e noite para proteger os ovinhos e as suas mães corajosas. 
Éramos responsáveis por 3 praias, sendo que estava tudo muito bem organizado em 3 turnos por cada praia: 2 patrulhas noturnas, onde trabalhávamos com as tartarugas (a primeira patrulha das 20h até à meia noite, e a segunda da meia noite até às 4h da manhã) e os censos matinais (das 5h30 até às 8h), sem tartarugas, onde percorríamos as praias para registar todos os rastos feitos nessa noite. Tudo isto era feito com muita atenção, pois havia sempre a assustadora hipótese de alguma tartaruga se ter perdido durante a noite e, se não a avistássemos e ajudássemos, ela acabaria por secar com o Sol...



Para além de todos esses kms percorridos diariamente, uma das praias requeria a recolocação de todos os ninhos, devido à existência de um hotel. Isto significava carregar baldes com os ovinhos até a um local seguro, processo esse que me deixava os braços em fogo. A privação de sono também não ajudou e, na última semana, confesso que os efeitos de todo esse cansaço se fizeram sentir. 
Foi aí que o poder do pensamento comprovou a sua força. Todas as noites, assim que regressava ao acampamento e me sentava no banco, bastava-me pensar em todas aquelas tartarugas e o privilégio que era poder sequer olhar para elas. Tudo valeu a pena.
Nunca me poderei esquecer do meu primeiro turno, passado ele na praia com o hotel. Era noite cerrada e toda eu era uma bola de entusiasmo enquanto caminhava até à praia, a interrogar o Líder que me acompanhava com todas as perguntavas que me conseguia lembrar. Quando avistámos a primeira tartaruga, sorri durante uma hora seguida, enquanto a observava a subir a praia, fazer o seu ninho com todo o cuidado, colocar mais de 100 ovinhos (que íamos retirando 1 a 1, com muito cuidado e sem que ela se apercebesse, para depois recolocarmos no local seguro), camuflar o ninho e, por fim, regressar ao mar. É um processo verdadeiramente mágico.
A cultura e as pessoas
Sem dúvida alguma, das maiores surpresas. Para ser sincera, não tinha pensado neste assunto antes da viagem. Sabia de ante-mão que se tratava de uma cultura machista, algo que pude, de facto, comprovar... Contudo, a animação, alegria, simpatia e humildade conquistaram-me muito rapidamente.


Ora...Sendo eu uma introvertida assumida, ao longo do primeiro dia, a música, dança e a animação que se viviam no acampamento deixaram-me num estado de pânico. Só pensava "oh meu deus, o que fui eu fazer", "nunca me vou conseguir adaptar", todo um rol de aflições que hoje vejo serem infundadas. Era um grande contraste com a minha realidade em casa mas foi aí que, sem sequer me aperceber, me rendi a tudo isso, graças à hospitalidade dos cabo verdeanos, que sempre se mostraram incrivelmente prestáveis em tudo. Através da observação e de conversas que fui tendo com cada um deles, percebi que são um povo muito forte. Passam por muitas adversidades, uma realidade completamente diferente da nossa: na esmagadora maioria dos casos, não há um pai e uma mãe a apoiar, não há uma casa, não há um acesso fácil a escolaridade, não há um ambiente seguro. Mesmo assim, há sempre um sorriso, animação e música. 


As patrulhas noturnas, lugar onde apenas existiam as tartarugas, o céu estrelado, o barulho das ondas e 2 pessoas muito diferentes, acabavam por potenciar conversas com substância, se apenas estivéssemos abertos a isso.
Para mim, a maior beleza desta experiência reside mesmo aí: na substância desprovida de distrações prescindíveis. Quer no contacto com as pessoas, quer no trabalho com os animais.
Tudo isto, aliado a um céu carregado de estrelas, fez-me regressar a casa com um espírito mais liberto, renovado e realizado. 

Espero que tenham gostado e que vos tenha realmente despertado o interesse para este tema. Qualquer dúvida que possam ter, não hesitem em perguntar, terei muito gosto em responder!